❗️Tudo é narrativa (?)
1.
Atualmente, fala-se muito em narrativas. Paradoxalmente, o uso inflacionário de narrativas revela uma crise narrativa.
Byung-Chul Han, A Crise na Narração
Demorei para começar a escrever sobre este livro. Tem coisas que nos “pega” e ai a gente precisa gastar um tempo ruminando elas. Ruminar é uma tarefa árdua, nós queremos só mais informações, de preferência úteis. Ruminar não me parece útil, pelo menos não para mim que só tenho um estômago e não como grama.
E mesmo quando se trata de mastigar — particularmente eu de novo — trato de rapidamente engolir, após pouco mastigar, e então em seguida, logo garfar novamente. Quando eu faço um prato mais elaborado eu tenho crise com isso. Dediquei tanto a preparação e em poucos minutos devorei a refeição, sem com ela, sorver, fruir, degustar com todos os sentidos o que está diante de mim.
Minha leitura se parece um tanto assim ultimamente.
Por isso esse livro me pegou.
2.
Em meio a um barulhento storytelling, há um vácuo narrativo que se manifesta como um vazio de sentido e como desorientação.
Início do ano fiz uma disciplina de storytelling na pós-graduação que terminei recentemente. Achei fantástico como as historias são estruturadas, os diferentes plots, a construção de personagens, a ambientação. Fiquei até com vontade de ser escritor. 😛
Inclusive me inscrevi num curso de storytelling que será semana que vem com um produtor de podcasts que eu curto muito.
Mas ai é que vem a crise. Porque ainda contar histórias, quando o dilúvio de histórias, no final das contas, só nos afoga nesta inundação de falta de sentido?
Virá uma arca de Noé para nos salvar?
O futuro de Byung-Chul Han parece — pelo menos aqui e nesta perspectiva — um futuro distópico.
O forte apelo às narrativas aponta para a sua disfunção.
3.
Como quase tudo neste mundo, quando o dedo do deus machina — não do ex-machina, por favor se contenha, pequeno leitor de livros — toca o dedo do ser humano, não é mais a simetria dos seus corpos que revela a simetria da alma. A imagem não está mais ali como o que toca os sentidos e na alma produz sentido.
O deus machina também produz a sua realidade simétrica onde ele toca. Tudo vira máquina, à sua imagem e semelhança. O ser humano à imagem e semelhança da máquina — do deus que virtualmente ele mesmo criou — não encontra sentido, pois não há sentido onde tudo é apenas técnica, execução, algoritmo.
Há muita linguagem, há semântica, mas nenhum sentido. O sentido nos abandonou, ele se furtou, pois ele só habita almas e onde não há mais almas, ali não há lugar para ele. O ser humano perdeu sua alma, pior, primeiro a naturalizou, entregando-a à ciência da alma, depois a demitologizou, destronando-a da sua mística, por último a desconstruiu e tornou-a em refém do poder e da “linguagem”, por fim, só restou substitui-la por dados.
O ser que um dia foi uma alma vivente, agora é algoritmo ambulante que se entende como o ser senhor das histórias, da história e no final, da verdade.
Esse conceitos [storytelling, etc] são usados de modo inflacionário justamente quando as narrativas já perderam sua força originária, sua gravitação, seu mistério, e mesmo sua magia. Quando sua construção é percebida, elas perdem seu momento interno de verdade. Elas próprias são percebidas como contingentes, como substituíveis e mutáveis.
5.
Neste não-tão-admirável-mundo-novo nada escapa do poder sedutor e devorador de almas. A arca de Noé — se é que existe — parece navegar sem Noé. Nem mesmo ele acredita que Deus há de nos salvar.
A religião é uma típica narração com um momento interno de verdade. Ela narra a contingência, evitando-a. A religião cristã é uma meta-narração que abrange cada canto da vida e a ancora no ser. O calendário cristão faz com que cada dia pareça significativo.
No entanto, o deus machina também tocou no solo sagrado da fé cristã. A igreja, antes “erez kadosh” — terra santa, enquanto dimensão do poder e ação do Espírito —, agora não passa de terra nua, deserto da informação e da técnica. Não há mais dias significativos. Não há mais histórias que falam do sentido. Não há mais história. Ao invés de sentido, o cristão quer analgésico. O sentido dói, rasga a alma, machuca o coração. O sentido da dor e na dor é pior ainda. Melhor o analgésico, seja o fármaco da técnica cura, seja o fármaco da religião machina o storytelling de púlpito, que produz um alivio momentâneo, mas não abre o sentido.
Sentido só se encontra onde há negatividade. É preciso lutar, brigar, guerrear contra si mesmo, contra o mundo e contra Deus. Parafraseando livremente Hans-Joachim Iwand
Evangelho é luta no mundo, contra o mundo. Luta consigo, contra si mesmo. Justificar Deus é dar a Deus o que lhe é de direito. É deixar Deus ser Deus.
6.
A única história que traz sentido é aquela que tem alma. Só a história de Deus tem alma, tem sopro de vida, cria vida e dá sentido a ela. E uma história que precisa ser explicada, naturalizada, demitologizada, desconstruída para ser relevante e ter sentido é uma história lida sem sentido. Por isso o jornaleiro precisa continuar anunciando a morte de deus, mas desta vez terá de ser a do deus machina.
💪 Recomendo
Terminei de ler A crise da Narração do Byung-Chul Han, como você leu hoje. E é óbvio — olha o trocadilho pra quem leu a news da semana passada — que eu recomendo o livro. Se você gosta de escrita, leitura, é pastor, teólogo ou professor, ainda mais precisa refletir sobre o que ele diz aqui. Livro curto, mas valioso! Adquirindo pelo meu link você também me ajuda a continuar entregando newsletter gratuitas por aqui: https://amzn.to/3UiHN2R
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