[Mapas e Caminhos #1] Quando uma brisa vale muito
Sobre uma viagem muito mais longa do que o esperado
🌍 Quando uma brisa vale muito
1.
Que alivio! Pés no chão e brisa do mar.
Devíamos estar radiantes por pousar, mas aquele não era nosso destino. Mesmo assim estávamos aliviados e gratos por estarmos ali. Tudo ainda era muito incerto. O que vai acontecer depois? E se tivéssemos seguido viagem, o que poderia nos ocorrer?
O dia era 22 de fevereiro de 2014. No meio daquela tarde de sol e calor pousamos em Las Palmas, nas Ilhas Canárias, um território espanhol na costa da África. Bem que hoje eu gostaria de poder conhecer aquele lugar, suas praias e paisagens. Naquele dia nós só queríamos uma certeza: chegar vivos no Brasil.
2.
Aquele dia já tinha sido longo demais. Estávamos fora de casa há mais de 48 horas e, pelo que tudo indicava, demoraríamos mais um bom tempo para chegar ao Brasil. Pegamos uma greve no aeroporto de Frankfurt que acabou cancelando nosso voo. Quem nos salvou? Jürgen não pensou duas vezes e nos levou de volta pra casa dele. Tínhamos a opção do hotel e transfer da companhia, mas ele sempre fez questão de cuidar de nós. Você entende porque chamamos ele e a Karin de nossos pais alemães? Retornamos as duas horas e meia de carro sob a neve e sobre o gelo para no outro dia fazer todo o caminho de volta até o aeroporto. Mas eu não imagino como teria sido cansativo se tivéssemos ficado no aeroporto esperando sabe se lá até quando por um hotel. No outro dia embarcamos para o Brasil. Seriam nossas primeiras férias no Brasil depois de dois anos morando na Alemanha.
3.
Sabe quando sua avó enrolavam uma notinha de 5 reais e colocava no seu bolso pra você comprar um doce? Esse é o Jürgen. Nos deu um abraço bem brasileiro. Nisso ele não é nada alemão. Em seguida enfiou no meu bolso uma nota enrolada. Não olhei o valor, agradeci e seguimos para o raio-x.
4.
Sabe aquela sensação de que agora tudo está certo e logo daremos um abraço apertado na família?
5.
Lá de cima tudo parecia perfeito. Até os Alpes se mostraram para nós. Coisa rara de se ver, pelo menos para mim. Foram poucas as vezes em que eu consegui ver os Alpes de cima. Percebeu que eu gosto de uma janela, né? Meu rolo de fotos é cheio de fotos tiradas da janela de um avião.
6.
Não tem um dia que a Lu não me pergunta:
— Que cheiro ruim é esse?
Geralmente você pode substituir “ruim” na frase por alguma definição mais específica. Ela gosta de definir claramente a categoria do cheiro ruim. Algumas horas daquele voo e a Lu me pergunta:
— Que cheiro de FUMAÇA é esse?
Se ela já logo pensa no pior e sempre tento amenizar. Na verdade eu acho isso estranho em nós. Eu sou o cara pessimista. Quando alguém vem com uma ideia eu já logo poderia mandar um meme de cansado e sem vontade para aquilo. Ela é a otimista, já faz planos e acha uma maneira de resolver. Mas por alguma razão, quando o assunto é perigo, alerta, tensão ela tende a ser mais dramática, e eu tento amenizar.
— Deve ser do forno. Estão esquentando a comida.
Não falei isso pra amenizar. Era a única explicação cabível que eu via naquele momento. Não tinha fumaça visível e olhando para fora parecia tudo normal. A Lu insistiu e eu chamei uma comissária. A resposta não poderia ser diferente.
— Está tudo bem, fiquem tranquilos.
Enquanto isso elas falam alguma coisa naqueles interfones. E pouco tempo depois vem o anuncio.
— Devido a presença de fumaça na cabine estaremos retornando para pousar no aeroporto mais próximo, em Las Palmas, nas Canárias.
7.
Você está no meio do oceano Atlantico e tem que aguentar a tensão de não saber se onde há fumaça a fogo ou o que raios está acontecendo ali. Nessas situações o avião vira um circo.
Tinha advogado distribuindo cartão para você processar a companhia.
Equipe de reportagem da Globo — eram do esporte, mas não dava pra perder a chance, né — montando pauta pra enviar pra emissora quando pousássemos.
Gerente da companhia aérea em viagem de férias explicando quantos milhares de dólares custaria alijar combustível pra pousar ali.
8.
Pisar em terra firme foi um grande alívio, mesmo com caminhões de bombeiros nos escoltando e equipes preparadas para apagar um incêndio nas portas nos esperando.
O ar quente daquela ilha e a brisa do mar foram um alívio. Ainda se seguiria um dia de tensão e incertezas antes da resolução do problema, a continuidade do voo e a chegada ao Brasil. Mas pequenas coisas, como um casal que também tinha uma filha pequena e que sentiam a mesma tensão que nós. Termos recebido um quarto num hotel separado daquela revolução francesa que estava acontecendo novo. Poder conversar com o comandante da aeronave no café da manhã e perceber que ele tinha a mesma preocupação que nós. Tudo isso nos serviu de alivio e conforto. Não deu para experimentar muito das Canárias. A única lembrança que compramos já se quebrou. Não ganhamos carimbo no passaporte. Mas na nossa memória vai ficar pra sempre aquela tarde quente e ensolarada em que passamos um dia numa ilha da África à caminho do Brasil.
📚 Qual o próximo destino?
Quero compartilhar algumas histórias de viagens intercaladas com meus textos mais introspectivos e teológicos. Vou ser menos dramático nas próximas, prometo. Minha proposta com estes relatos é revisitar memórias das nossas andanças e rever o cuidado de Deus com a gente. Relembrar também pode ser uma maneira de agradecer por tudo que vivemos, aprendemos e recebemos. Se você gostou dessa proposta pode me escrever ou compartilhar este texto com alguém.