“Não idealize a vida intelectual. Tem semanas que você gostaria de ter uma citação bacana na manga, mas simplesmente não te vem nada no meio de uma mudança de casa e com metade da família com gripe”
Eu mesmo, Alexander Stahlhoefer (2023)
❗️Não temos amigos
1.
— Não temos amigos! — Assim, com esse tapa na minha cara, a Lu interrompe meu ritual de lavar louça. Eu gostaria de, a partir daqui, descrever um estado de mal-estar psíquico, uma contestação veemente, que isso não é verdade e que as coisas não são assim. Deveria seguir uma longa e acalorada discussão sobre a muitas pessoas queridas e amadas ao nosso redor. Mas eu sou um pessimista.
— É — Foi a minha resposta.
2.
O que são “amigos”? Defina. Poderia ser uma questão de prova na disciplina de fenomenologia das relações humanas. Quem são seus amigos? — Acho que assim fica melhor a pergunta, ou não? Na minha tese de doutorado escrevi sobre o uso que fazemos da palavra amigo. Lá pelas tantas eu citei exemplos banais, como chamar o policial ou garçom de “amigo”. Seria uma cordialidade, se não fosse, bem na verdade, uma tentativa de trazer aquele desconhecido para o círculo da intimidade. Quer dizer, não daquela intimidade boa. Cordialidade é mais, como nos ensinou Sérgio Buarque de Holanda, uma vontade que nos move a viver de acordo com os ditames do próprio coração. Frequentemente, como Jesus já nos alertou, muita coisa ruim dali. Enganoso é o coração.
— Sargento Martins, aqui estão meus documentos. — É o que seria adequado de se falar ao ser parado numa blitz.
— Amigo, você sabe com quem está falando? — É o que alguns respondem.
Então, o que são amigos? Quem são seus amigos?
3.
Eu sei que você percebeu o abuso de quem questiona com um “você sabe com quem está falando?” Mas será que você e eu somos tão diferentes deste cidadão abusivo? Chamamos todos de amigo, o garçom, o Uber e a atendente da farmácia — essa eu acho que já posso chamar de amiga, de tanta doença que passou aqui em casa nos últimos dois meses. Aí você vai me dizer que não usa a palavra “amigo”, e eu mesmo não uso. Mas eu me acostumei com algo mais grave, chamo de “mano”, contração de “irmão”. O problema não está em qual destes termos estamos usando, mas no sentido e na função que eles tem no uso que fazemos deles.
4.
Amigo de verdade é quem você convida pra cozinha da sua casa, que não se importa com a louça suja em cima da pia, e que fica a vontade pra por os pés em cima da mesa de centro da sua sala, ou até mesmo usar sua cadeira favorita da sala — aquela com descanso para os pés. Estes são poucos. Com os amigos você ri e chora, fala do que está no coração — coisas boas e nem tão boas, sentimentos nobres e fofocas. Quando se está com os amigos de verdade até o tempo passa diferente, até o sono vai dormir pra que o tempo fique acordado até mais tarde. Amigo de verdade pinta o quarto dos seus filhos quando você muda de casa — e foram necessárias três demãos aquela vez. Os amigos choram a partida, mas fazem de tudo para estar perto, nem que seja numa chamada de vídeo. E é porque ficamos e estamos tão próximos, que os pedidos mais absurdos e fora de hora se tornam uma possibilidade — “Me empresta o seu carro agora (20h00), porque preciso resolver algo amanhã antes das 7h00?”
5.
É injusto com os verdadeiros amigos — que te trazem farinha de mandioca na mala do avião, que ficam com teus filhos no dia da mudança, ou te preparam um almoço ou lanche inesperado (e estamos de mudança de casa nessa semana) — chamar o desconhecido de amigo pra de alguma forma obter aquilo que só o verdadeiro amigo está disposto a te dar. Não deveríamos - sob a pena de sacrificar os verdadeiros amigos - tratar quem deveria ser chamado de “senhor e senhora”, como se fossem os nossos amigos. Deixamos o respeito com o desconhecido de lado, a distância, que é saudável e necessária, porque “senhor está no céu” e com isso perdemos o respeito com a palavra amigo. Se todo mundo for amigo, então ninguém o é. E se for assim, não teremos amigos.
6.
— Não temos amigos?
— É?
Temos, sim, mas não os temos. Eles não são nossos, eles nos foram dados. Não dispomos deles, eles é que se dispõe e nós nos dispomos a ser amigos para eles. Temos amigos, não são muitos é verdade, de perto, bem perto e de longe, muito longe. Não os defino pelo que eles fazem, ou pelo que fizeram por mim. Também eu, Deus me livre, de chamar de amigo só os que retribuem aos meus favores. Não gosto de utilitarismo. Defino pelo que eles são para mim, para nós, e o que eu e nós somos para eles. Amigo é relação, não qualquer relação. Amigo é onde dois pontos podem estar o mais próximo possível, sem se tornarem um só. Amigo é onde a distância e o tempo não importam, pois ganham outro sentido. É por isso que é tão difícil, custoso e demorado fazer amigos em um novo lugar. É por isso que nos questionamos - não como cobrança aos outros, mas a nós mesmos - onde estão nossos amigos? De quem nós temos sido amigos?
Onde estão os teus amigos? Compartilhe com seus pra ampliarmos a convera!
🧠 Antes que eu esqueça…
Tenho estado bastante ansioso com a defesa do doutorado em Julho. Ainda sou assaltado pelo memo de falhar, o fantasma de que não sou capaz. Talvez o projeto em que você está envolvido, seja no trabalho, família, ministério ou pessoal também te traga esses sentimentos.
Tempos atrás eu ouvi uma pregação do Pr. Constantin Kruse da Ecclesia Nürnberg. Aprendi algo que tem me ajudado muito. Eu busco fazer uma lista mental de “ansiedades” e oro por elas. Pedro nos ensina que devemos lançar sobre Cristo todas as nossas ansiedades, pois ele já tem cuidado de nós (1Tm 5.7). Percebi que, na prática, o desafio é listar essas preocupações para orar consistentemente a respeito dos assuntos que são fonte de angústia e ansiedade e não só pra “desencargo de consciência”.
Então, faça sua listinha de ansiedades e entregue-as a Deus.
💡Isso aqui me ajudou
Estava pensando se recomendava essa série italiana de uma temporada só. Esperei até o final dela pra incluir aqui. Pensei algumas vezes que o tema poderia ser pesado. Mas saúde mental é assunto que não dá pra deixar pra amanhã. Então, sim, quero recomendar “Tudo pede salvação”. Não é sobre fé e Cristo não passa de uma lembrança da cultura. Salvação tem sentido de cura na série, o que não deixa de ser um dos sentidos originais do termo no Novo Testamento. Vou parar de falar e deixar você tirar suas conclusões.
☕️ Me convida pra um café?
De que adianta a gente falar sobre os muitos desafios do digital para teologia - especialmente agora com IA - e não valorizar as relações? Eu quero tomar um café com você e isso é possível pra todos que participam dos planos pagos por aqui.
Assinando mensalmente (ou anualmente levando dois meses de brinde) você já tem acesso a uma chamada Zoom mensal comigo. A próxima chamada será no dia 20/06 as 20h30!
Essa semana tem post premium para o pessoal que assina já se preparar para a nossa chamada.
Alex, Lu, Ana, Isaac e Samuel 5 AMIGOS que Jesus aproximou!!!
Temos experimentado esse vazio da amizade e por vezes ainda o peso da culpa achar que somos incompetentes para fazer amigos mas acredito que faça parte da maturidade rsrsr tem que ser verdadeiro, simples, incondicional e isso é precioso e raro!!!
Que coragem de expressar esse sentimento Alex e compartilhar!!!
Precisamos combinar um reencontro e encher nossos tanques de amor, cuidado e
carinho!
É, querido Alex, só consigo me lembrar neste momento daquela letra de música: "Amigo é coisa para se guardar no lado esquerdo do peito!"